Você provavelmente já deve ter passado por alguma situação em que não foi bem atendido em alguma empresa. Quando isso acontece, a sensação que temos não é das melhores, já que há um senso comum de que, se a empresa está de portas abertas para receber todos, e as empresas precisam do nosso dinheiro de consumidores para permanecerem abertas, então um bom atendimento é o mínimo que deveriam oferecer, concorda?

No entanto, aparentemente há empresas em que o entendimento do empresário ou colaboradores é que eles estão prestando um favor ao venderem algum produto ou prestarem algum serviço para o cliente e, por isso, não precisam ser tão simpáticos.

Apesar de parecer cômico, mas é verdade.

E não é você abrir um sorriso tão grande, de forma forçada, para tentar agradar ao máximo o cliente. Isso é exagero e, não sei se você percebeu, mas quando as pessoas tentam sorrir forçadamente, o sorriso forçado geralmente deixa seu rosto com uma expressão maléfico. 😀

Há alguns anos, inclusive, ao adentrar em uma lanchonete e observar o atendente, percebi que este estava com uma expressão facial tão dura que não consegui identificar se era estresse ou raiva e, na mesma hora, dei meia-volta e saí de lanchonete.

Nos minutos que se seguiram, fiquei pensando: “talvez, qualquer empreendimento que se coloque possa fazer um grande sucesso, simplesmente investindo em um atendimento verdadeiramente de qualidade”.

Para minha surpresa, foi exatamente o que vi no artigo “O fundador da Chewy.com explica como conseguir financiamento para expandir”, escrito por Ryan Cohen, publicado na revista Harvard Business Review Brasil, edição de fevereiro de 2020, como você verá na próxima seção. (ou nas próximas seções)

Nascimento da Chewy

O interessante dessa história é que a primeira ideia dos fundadores, Ryan Cohen e Michael Day, foi criar um empreendimento de vendas online de joias. Para isso, fizeram todos os preparativos: desenvolveram o site, criaram um sistema de entregas, compraram o estoque e até mesmo um cofre para guardá-lo.

Porém, uma semana antes do lançamento, eles decidiram mudar completamente de rumo e, ao invés de uma loja de vendas online de joias, decidiram criar uma empresa varejista de produtos para animais de estimação. Sabe por quê? Leia com bastante atenção que os motivos são extremamente importantes:

  • Motivo 1: “Não me importava muito com joias, mas como muitos pais de gatos e cachorros que eu conhecia, adorava as coisas que comprava para a Tylee.” Logo, podemos entender que o primeiro motivo é a necessidade de o empreendedor deter uma paixão nata pela área na qual pretende atuar.
  • Motivo 2: Cohen passara por uma experiência completamente diferente das experiências anteriores em uma pequena loja para animais de estimação. Dessa forma, o segundo motivo é que Cohen percebera em seu inconsciente que não somente um atendimento de qualidade não era comum no nicho em questão, mas uma boa experiência por parte dos clientes.

Nesse momento, gostaria de fazer também algumas pequenas reflexões com você, caro leitor:

  • Reflexão 1: Quando você iniciou sua empresa (ou seu próximo empreendimento), o nicho escolhido foi baseado em algo que desperta a sua paixão pessoa, algo com o que você realmente se importa, ou sua decisão foi baseada na observação de quais empresas estavam gerando mais lucro no momento?

Curiosamente, esse é um grande problema de muitos empresários: conforme comento no vídeo de título “O maior erro que os empresários cometem e que poucos percebem”, no processo de fundação das suas empresas, eles não pensam em resolver problemas de pessoas. O pensamento é mais ou menos assim: “Eu percebi que empresa X está rendendo muito dinheiro, então deixa eu também criar uma igual, para eu também ganhar dinheiro”.

No escopo das pequenas empresas, temos dois exemplos muito próximos do nosso dia a dia: a) Apareceu a primeira lan house, deu certo, então pouco tempo depois quase toda esquina tinha uma Lan House; b) Apareceu a primeira loja de açaí, deu certo, então quase toda esquina passou a ter uma loja de açaí.

Um resultado desse comportamento é que, se você perguntar para algum desses empresários por qual motivo os clientes devem comprar deles e não dos concorrentes, dificilmente eles saberão responder, justamente porque não há diferença entre eles e os concorrentes.

  • Reflexão 2: Sua empresa oferece uma boa experiência para os seus consumidores?

Conforme também comento no mesmo vídeo citado na Reflexão 1, uma justificativa padronizada que sai depois de muito esforço à pergunta “Por qual motivo o cliente deve comprar de você e não dos seus concorrentes” é: “Qualidade do atendimento”.

Porém, dois grandes problemas que surgem a partir dessa afirmativa são:

Problema 1: O atendimento de qualidade é obrigação de qualquer empresa pois, nas palavras de Sam Walton, fundador da Wallmart, “o cliente pode demitir todas as pessoas da empresa, do presidente ao faxineiro, simplesmente levando seu dinheiro para gastar em outro lugar”.

Problema 2: De acordo com uma pesquisa da Bain & Company, 80% dos CEOs das empresas acreditam que suas marcas oferecem ótimas experiências ao consumidor, porém, apenas 8% dos consumidores concordam com esta afirmativa.

Uma outra reflexão também bastante interessante que podemos obter a partir da fundação da Chewy é a apresentada a seguir:

  • Reflexão 3: Perceba que, apesar de todo o investimento realizado até então com o desenvolvimento do site, compra do estoque, compra do cofre etc., eles não tiveram dúvidas quanto ao perder todo ou ao menos parte do investimento realizado e trabalho dedicado.

Um problema que vejo em muitos empresários brasileiros, independente do porte dos seus empreendimentos, é que há uma grande resistência no que diz respeito a mudar de abordagem, se essa mudança significar a perda de algum investimento realizado.

Nessa linha de raciocínio, o exemplo mais próximo que consigo encontrar no momento, é o caso de instituições que adquirem softwares de altíssimos preços e, após a aquisição, verificam que o software não era exatamente o que esperavam, pois forçam o aumento do trabalho realizado na empresa, resultado em tempo e dinheiro perdidos, ou oferecendo uma péssima usabilidade para os usuários finais (instituições de ensino nas quais os alunos necessitam utilizar o software no contexto do ensino/aprendizagem, por exemplo).

Em termos práticos, esse perfil de empresário prefere continuar perdendo dinheiro enquanto trabalha duas ou três vezes mais, sem necessidade, ou continuar oferecendo uma péssima experiência de usabilidade para seus clientes, simplesmente para não perder o investimento realizado na aquisição do software.

É muito provável que seja por esse motivo também que o crescimento dos empreendimentos de tais empreendedores tenha o seu crescimento limitado.

Empresário vs. Empreendedor

Algumas lições a mais podem ser encontradas, como resiliência, metas ousadas e confiança nas próprias habilidades. Porém, estas são apresentadas mais rotineiramente. Gostaria de comentar então outas que não são tão percebidas ou, ao menos, corriqueiramente comentadas: o compromisso com a entrada de dinheiro (investimentos ou empréstimos, por exemplo), a vontade de fazer melhor e a associação entre as duas.

Muitas vezes já vi empresários buscando empresários para suas empresas e, ao conseguirem, acabam destinando-os para fins pessoas. Por exemplo prático que vi há alguns anos foi o caso de um empresário, do ramo de supermercados, que conseguiu um empréstimo bancário no valor de cem mil reais, e comprou um carro para fins pessoais no valor de oitenta mil reais.

Talvez eu não consiga contar a história inteiramente sem alterações porque faz muito tempo que eu a ouvi… De qualquer forma, há muitos anos, um amigo me contou a seguinte história:

Certa vez um grupo de empresários brasileiros foram fazer negócios com um grupo de empresários japoneses. Para a concretização dos negócios, uma condição essencial estabelecida foi a necessidade de cada um dos grupos visitar as casas e as respectivas residências de cada um dos integrantes dos dois grupos.

O primeiro grupo a realizar as visitas foi o grupo de empresários brasileiros. Ao chegarem no Japão, começaram as visitas pelas empresas dos japoneses. Os brasileiros ficaram encantados com as grandes estruturas das suas empresas e pensaram: “Se as empresas são grandes, suas residências devem ser maiores ainda”.

No entanto, ao chegarem nas residências dos japoneses, ficaram decepcionados, pois suas casas eram extremamente pequenas, principalmente quando comparadas às suas empresas.

Quando chegou a vez dos japoneses visitarem os brasileiros, estes disseram: “Vamos começar a mostrar as nossas casas para os japoneses, porque aí fazemos um churrasco, todo mundo se diverte e depois é que a gente vai pensar em trabalho”. E assim foi feito.

Enquanto os japoneses visitavam as casas dos brasileiros, eles ficavam encantados, quase sem acreditar no que  estavam vendo, tamanha a estrutura e beleza das grandes mansões dos empresários, e ficavam se perguntando: “Se as casas desses empresários são tão extraordinárias, nem consigo imaginar como serão suas empresas”.

Porém, quando começaram a visitar as empresas, sofreram uma grande decepção, pois estas eram exatamente o contrário das mansões: empresas com pequenas estruturas, sem muito investimento ou organização.

A moral da história, segundo o meu amigo, é que enquanto os japoneses realizam pesados investimentos nas suas empresas e, na vida pessoal, buscam viver com o essencial, os brasileiros fazem exatamente o contrário: realizam pesados investimentos na sua vida pessoal, na vida profissional (empresas), vão “empurrando com a barriga”, pois a empresa é apenas uma ferramenta de manutenção do seu estilo de vida.

É claro que essa não é a regra, mas a quantidade de empresários brasileiros que pensa dessa forma é assustadoramente grande. Inclusive, é por esse motivo que o título desta seção é “Empresários vs. Empreendedores”, pois são palavras que à primeira vista imaginamos terem o mesmo significado, porém, na prática, significam coisas completamente diferentes.

Veja que, para você ser um empresário, basta ter um CNPJ associado ao seu CPF, alugar um ponto físico, colocar balcões e/ou prateleiras dentro do ponto e colocar seus produtos em exibição (ou iniciar a prestação de serviços). Ou, se estivermos falando de um empresário informal, basta você fazer tudo o que foi dito, exceto a parte do CNPJ.

Já empreendedor é diferente. É até difícil de explicar o que é um empreendedor sem que a explicação fique extremamente limitada. No entanto, apenas para tentar passar uma leve ideia do que é ser empreendedor, litarei abaixo as dez características trabalhadas em um curso do qual tive o grande privilégio de participar chamado Empretec. São elas:

  1. Busca de Oportunidades e Iniciativa
  2. Persistência
  3. Correr Riscos Calculados
  4. Exigência de Qualidade e Eficiência
  5. Comprometimento
  6. Busca de Informações
  7. Estabelecimento de Metas
  8. Planejamento e Monitoramento Sistemáticos
  9. Persuasão e Rede de Contatos
  10. Independência e Autoconfiança

Não sei se há alguma relação entre a história do meu amigo e uma cena que vi em um filme de título “Caramuru – A Invenção do Brasil”,  especificamente em uma cena na qual estão conversando o índio brasileiro, o personagem principal Caramuru e o representante europeu, e o índio fala: “Para mim está muito bom: você [Caramuru] trabalha, você [representante europeu] lucra, e eu não faço nada”.

Claro que o filme é uma comédia, e desejo que você tenha dado umas boas gargalhadas ao ler essa referência. Mas não poderia deixar de mencionar que a produtividade do brasileiro, lá fora, não é tão bem referenciada, como mostra o artigo “Brasileiro lega 1 hora para produzir o que o americano faz em 15 minutos”.

Finalizando, se pegarmos como referência um empresário como o da história do meu amigo, e imaginarmos uma situação na qual ele recebesse o investimento de alguns milhões, provavelmente o pensamento dele seria: “Agora que tenho alguns milhões na conta vou reduzir meu ritmo de trabalho, comprar logo um bom carro e uma grande casa, e fazer uma viagem internacional ao menos uma vez por mês”. Concorda?

Oferecer uma experiência diferenciada ao cliente

O título acima foi retirado do seguinte trecho:

“Ouvia comentários também sobre a Amazon, que, claro, era de fato um concorrente, pois tinha infraestrutura incrível, relações estabelecidas com os clientes e fornecedores, além de um capital interminável. Porém, eu sabia que outras empresas, como Zappos (depois adquirida pela Amazon) e Wayfair, foram bem-sucedidas em determinadas categorias de produtos. O segredo delas era oferecer uma experiência diferenciada ao cliente. Eu achei que podíamos fazer alguma coisa parecida no setor de pets.”

Veja que Cohen não fala em qualidade de atendimento, que especificamente o momento em que o cliente se dirige à sua empresa e você dá prosseguimento naquele relacionamento momentâneo. Ele fala em oferecimento de experiência diferenciada, o que é completamente diferente do simples atendimento, pois envolve todos os pontos de contato dos clientes com a sua empresa, antes, durante e depois dos momentos de compra.

Para ficar mais prático, comentarei sobre um exemplo de uma loja Wallmart na cidade de Orlando (Flórida, EUA) a que tive acesso em um depoimento de um programador de computadores chamado Wesley Willians, da School of Net:

Antes de ir à loja, ele baixou o app da empresa no seu smartphone e cadastrou os produtos que compraria. Ao chegar no estabelecimento físico, o próprio app passou a informar a localização dos produtos nas prateleiras, economizando o tempo de busca. Após colocar todos os produtos no carrinho e identificá-los no smartphone, o app perguntou se ele desejaria pagar pelo próprio software, economizando o tempo de espera em filas. Ao final, chegando em casa, o app mostrou a seguinte mensagem: “Nosso objetivo é oferecer os preços mais baratos para você, mas identificamos que os preços dos produtos X e Y adquiridos recentemente estavam mais altos que na concorrência. Dessa forma, estamos estornando para o seu cartão, nesse momento, a diferença.

Acredito que agora tenha ficado um pouco mais claro a diferença entre qualidade de atendimento e o oferecimento de uma experiência diferenciada.

Adicionalmente, no vídeo de título “Tendências de Mercado no Vale do Silício e sua relação com Micro e Pequenas Empresas no Brasil” eu comento que a Inteligência Artificial é uma grande ferramenta no sentido de oferecer uma experiência diferenciada, comentando especificamente sobre as funcionalidades que as ferramentas utilizadas pela pizzaria Domino’s oferecem:

No mesmo vídeo, comento também que, mesmo sem utilizar Inteligência Artificial, pequenas empresas também conseguem entregar uma excelente experiência, pois muitas vezes conhecem seus clientes pelo nome, por venderem regularmente para as mesmas pessoas, conseguem identificar facilmente seus padrões de consumo e antecipar-se às suas necessidades.

Mas, para isso, é necessário, antes de tudo, criar uma empresa em um nicho no qual você tenha paixão de trabalhar pois, como diz um vídeo motivacional bem interessante, “Aquele que gosta do que faz, e sente orgulho em fazer melhor, a cada dia vai mais longe”.

Esse foi o caso da Chewy que, como resultado direto, teve um faturamento de US$ 205 milhões em 2014, US$ 423 milhões em 2015, US$ 901 milhões em 2016, em 2017 foi vendida por US$ 3,35 bilhões e, em 2019, passou a valer US$ 9 bilhões de dólares.

Para saber mais detalhes da história da Chewy, dá uma olhadinha lá no artigo da Harvard Business Review Brasil nesse link. E já que você leu o artigo até aqui, e mostrou que de fato tem o empreendedorismo na veia e entente que precisa estudar para ser um empreendedor/uma empreendedora cada vez melhor, tenho certeza de que você também vai gostar muito do artigo “Transformação Digital: como fazer na Kraft Heinz”.

Abraços e muito sucesso! Everton Patricio.