Peça de jogo ou jogador. Qual você escolhe ser?

Um pássaro que foi criado desde o seu nascimento em uma gaiola, poucas chances tem de sobrevivência no mundo lá fora, caso venha a libertar-se. Concorda? Isso porque já para quem está acostumado a, quando sentir fome ou sede, ir sempre aos mesmos locais e lá encontra comida e água à vontade, procurar seu próprio alimento em um ambiente incomparavelmente maior e cheio de perigos aparenta ser uma tarefa praticamente impossível.

Este é o mesmo problema que estamos vivenciando com o nosso modelo de ensino no Brasil: em uma diversidade de fontes e autores disponíveis livremente na internet, e em outra diversidade de formatos, podemos encontrar apontamentos de que o nosso sistema educacional foi moldado às formas da Revolução Industrial, com o objetivo de “fabricar pessoas qualificadas” igualitariamente para trabalharem em um ambiente no qual quase não há mudanças.

É importante entendermos que, na época da sua criação, o mundo era um lugar onde a informação existente e gerada era relativamente limitada, e o acesso à ela absolutamente escasso. Nesse ambiente, fazia sentido termos algumas pessoas que possuíam muito conhecimento como principal ou até única referência, pois essas pessoas, os professores, eram geralmente o nosso único meio de acesso à informação de qualidade.

Hoje em dia, no entanto, todo ou quase todo o conhecimento de que precisamos está na internet, há poucos cliques ou toques de distância, acessível através de computadores ou dos nossos smartphones, que sempre carregamos conosco.

Além disso, a quantidade de informações geradas é tão grande e acontece de forma tão rápida que não faz mais sentido cursarmos uma graduação acreditando que aquele conhecimento que lá é “colocado nas nossas cabeças”, é de fato o conhecimento que utilizaremos como base para nossas experiências profissionais no mercado de trabalho.

Isso porque, nada garante que aquele conhecimento que você está adquirindo durante a graduação ainda continuará atualizado dois, três ou quatro anos depois. Na verdade, há grandes chances de não somente o seu conhecimento adquirido durante a graduação esteja em grande parte defasado, como também muitas profissões talvez nem sejam mais necessárias.

Mas tenha calma… Meu objetivo aqui não é te amedrontar ou lançar você ao desespero. É justamente o desespero que eu quero afastar da sua vida, e acredito que fico mais próximo desse objetivo quando consigo mostrar a você que as regras do jogo estão mudando cada vez mais rápido, e se você não se adaptar à elas, você ficará fora do jogo. É daí que pode surgir o desespero.

Para você entender melhor, vamos fazer uma pequena comparação com a Revolução Industrial no século XVIII: qual o grande impacto negativo social que aconteceu como resultado da substituição do modo de produção manufatureiro pela automação promovida pelas máquinas? Desemprego em massa, correto? Isso porque uma máquina conseguia substituir inúmeros trabalhadores manuais.

Da mesma forma, o que já começou a acontecer foi a automação promovida pela Inteligência Artificial. A diferença é que, enquanto na primeira Revolução Industrial tivemos a substituição dos trabalhos manuais, agora temos a substituição dos trabalhos cognitivos repetitivos e padronizados.

Quer uma prova? Basta lembrar das recomendações de filmes na Netflix, ou de produtos nos e-commerces, que são produzidos por Inteligência Artificial. Ou lembrar da quantidade de ligações que estamos recebendo por softwares, também baseados em IA. Ou dos chatbots do Facebook, ou de algum sistema bancário de atendimento ao cliente.

E estes são apenas exemplos que já fazem parte do nosso dia a dia, e que sequer temos tempo de parar para pensar ou perceber que realmente são produtos da Inteligência Artificial. No entanto, fora da nossa rotina corriqueira, já existem diversos exemplos de aplicações que já estão sendo naturalmente utilizadas, nos mais diversos campos, desde a Medicina até o Direito, do Jornalismo à Culinária.

Mas o que isso tudo tem a ver com o sistema educacional de ensino?

Para melhor responder à essa pergunta, preciso recordar um acontecimento bastante peculiar e marcante: em 2011, o sistema cognitivo IBM Watson venceu competidores humanos no Jeopardy!, um famoso jogo de perguntas e respostas.

Agora pense bem: deixando de fora as exceções, qual a principal característica do nosso sistema educacional atual? Exatamente treinar alunos para assimilarem algum conteúdo e, posteriormente, responderem à uma sequência de perguntas.

O questionamento principal que faço, então, é: se soluções de Inteligência Artificial existentes desde 2011 já são melhores que nós, humanos, para responder perguntas, por qual motivo nós iríamos nos especializar em também responder perguntas? Para competir com as soluções de IA?

Sinceramente, essa é a única justificativa que encontro. E, sinceramente, o problema que vejo em você “se formar” para competir com soluções de IA, é o mesmo que você se qualificar para competir com uma calculadora. Vejo inclusive a cena: uma pessoa batalhando com uma calculadora, tentando calcular mais rápido que ela, sempre perdendo, e sempre dizendo “da próxima vez você vai ver, da próxima vez eu ganho!”.

Veja que não há o mínimo sentido nisso.

Sentido há em você aceitar que a calculadora calcula mais rápido e com mais exatidão que a grande maioria dos seres humanos, entendê-la como uma ferramenta, utilizá-la para automatizar as tarefas padronizadas e repetitivas, que tomariam muito tempo do seu dia, e dedicar-se a tarefas mais importantes.

E que tarefas são essas?

Eu poderia listar aqui uma diversidade delas, mas o problema é que elas mudariam muito rapidamente.  Além disso, que tal já começarmos a fugir um pouco do velho modelo onde uma pessoa entrega uma série de informações fixas, que logo ficarão defasadas, para um modelo onde você mesmo cria as informações?

É isso mesmo. Que tal fugir do padrão? Que tal fugir do repetitivo? Que tal dar uma olhadinha no seu cotidiano e tentar enxergar o que é padronizado e repetitivo (e que logo será substituído por alguma solução de IA) e o que demanda criatividade, o que necessita de sentimentos e o que está intrinsecamente ligado a contextos?

É essa a mudança que precisamos promover no nosso sistema educacional: deixar de lado a ilusão de que conhecimento é escasso, e que a principal ponte que nos leva à ele é a figura  do professor, e passar a aceitar que o conhecimento é abundante e de fácil acesso, e que como sua natureza é bastante mutável, nós podemos e devemos ser os protagonistas das inúmeras possibilidades de mudança.

Para isso, a primeira mudança que devemos provocar nas nossas salas de aula independentemente do nível (fundamental, médio, superior ou pós-graduação), é que professores e alunos deixem de atuar como agentes de assimilação de conteúdos estáticos que logo ficarão desatualizados, e passem a utilizar conhecimentos de diferentes campos para cruzá-los, através reflexões e discussões, com o objetivo de criar novos conhecimentos e soluções de alto impacto para problema que assolam a humanidade.

Dessa forma, você passa a deixar de seguir regras de outros para criar suas próprias regras. Dessa forma, você deixa de se qualificar para trabalhar em alguma empresa de modelo de negócios ultrapassado que possivelmente irá declarar falência em poucos anos, e passa a qualificar-se para criar sua própria startup inovadora e de alto impacto, gerando empregos e dando sua contribuição para um futuro melhor. Dessa forma, você deixa de ser mais uma simples peça no jogo, e passa a ser um jogador.

Abraços e muito sucesso!

Everton Patricio.