Por que nossas universidades não têm departamento de IA?

Ao ler o artigo “A inteligência artificial pode ser confiável?”, das MIT Sloan Management Review Brasil, ano 1, número 0, vi um trecho bastante interessante que dizia que, dentre outras atividades, “o AI4ALL patrocina um programa de verão que visita departamentos de IA de universidades como Stanford e Carnegie Mellon”.

A ideia é simples: possibilitar que pesquisadores possam servir como mentores e exemplos para participantes da IA4ALL, que são principalmente garotas de comunidades de baixa renda, o que “não só abre oportunidades de desenvolvimento para os mentes; também transformam os mentores em defensores da diversidade e da inclusão, o que acaba por afetar o modo como eles abordam o design dos algoritmos”.

O contexto do artigo é o problema da presença de preconceitos de raça ou de gênero em soluções diversas de IA, o que é um grave problema e que devemos buscar as mais diversas soluções para resolvê-lo ou reduzir ao máximo sua ocorrência.

No entanto, um ponto que chamou minha atenção foi o fato de ver que as universidades Stanford e Carnegie Mellon possuem departamentos de IA.

Tudo bem, isso não é uma coisa de outro mundo. É até lógico, já que universidades são berço de estudos e pesquisas.

A questão foi a indagação que veio logo em seguida: se os Emirados Árabes Unidos já criaram há algum tempo o cargo de Ministro de Estado para Inteligência Artificial e o governo da Argentina lançou um plano nacional para liderar o desenvolvimento de soluções em Inteligência Artificial na América Latina até 2030, dentre outros exemplos, por que a grande maioria das faculdades e universidades brasileiras ainda não tem nenhuma iniciativa no campo?

Talvez um pequeno diálogo meu com um professor de determinada faculdade possa nos dar alguns apontamentos…

Certo dia, eu perguntei para tal professor: “Por que você não cria, na instituição que você leciona, um grupo de estudos em Inteligência Artificial para instigar a vontade de aprender dos alunos nesse campo?”

A resposta dele foi curta e grossa: “Por que não tenho experiência nesse campo.”

Infelizmente esse não é um caso pontual, e tal raciocínio faz parte de um grande número de profissionais do mercado, professores de diversos níveis, gestores de instituições de ensino etc.

O pensamento do professor exemplificado, na verdade,  é um pensamento de um mundo que já não existe mais, um mundo analógico onde o conhecimento era de relativo difícil acesso e, tradicionalmente, centrado no professor.

Atualmente, como você pode perceber no artigo “Transformação Digital: Entenda de uma vez por todas!”, atualmente nós vivemos em um mundo que é físico, mas que também é digital, e a informação que antes era escassa, hoje é abundante e gratuitamente disponível, à um braço de distância (seu smartphone).

Assim, como você pode perceber, o problema é simples de ser identificado: a falta de Transformação Digital.

No entanto, apesar da simplicidade de identificação do problema, as consequências são graves…

A primeira consequência negativa que encontramos é a formação de pessoas desqualificadas para o mercado de trabalho, pois professores e instituições que insistem em agir como se o mundo ainda fosse analógico e a informação de difícil acesso, continuam com o velho hábito de entregar o conhecimento para o aluno em sala de aula.

O problema disso é que, como diz Silvio Meira, muitos professores de engenharia, por exemplo, sequer projetaram os próprios armários, o que deixa nítido que o conhecimento que eles passam é basicamente dos livros que leram.

Porém, os conhecimentos que antes estavam presentes apenas nos livros, hoje estão disponíveis gratuitamente na internet em diversos formatos, seja em artigos, e-books, infográficos, vídeos etc.

No entanto, o que está disponível não são apenas os conhecimentos dos livros, mas também relatos de experiências profissionais, de testes realizados no dia a dia por leigos ou pessoas que estão aprendendo enquanto fazem e até mesmo grandes profissionais que possuem uma grande experiência de mercado, mas que não estão presentes na academia.

Dessa forma, obter conhecimento diretamente do mundo digital, diversificado, absolutamente atualizado que nos é apresentado de forma dinâmica, parece ser bem mais interessante que obtê-lo dentro de uma sala de aula, onde geralmente nos é apresentado de forma estática através de slides, através de uma fala de um professor que passa horas falando e que, também por esse motivo, acaba se tornando monótona e que, além de tudo, em grande parte está desatualizada, pois vem de livros que foram lançados há meses ou até anos atrás, ao passo que tudo está mudando nesse exato momento.

É necessário então que professores e instituições passem também pelo processo de Transformação Digital, e como resultado, entendam que os alunos já podem chegar na sala de aula com mais conhecimentos que os professores em alguns temas específicos.

E é nesse momento que começamos a enxergar melhor o problema na fala do professor com quem conversei: para que professores possam criar grupos de estudos, não é necessário, pelo menos na maioria dos casos, que os professores sejam grandes experts no assunto.

Você deve estar se perguntando nesse momento: “Então, para que serve o professor?”

Os professores, agora, contribuirão em três frentes:

1. Com suas experiências de estudo, ensinar a identificar fontes consistentes de informação de fontes duvidosas;

2. Completar ou auxiliar a completar as lacunas que naturalmente permanecem durante o novo conhecimento obtido a partir da junção de conhecimentos diferentes obtidos de fontes diferentes;

3. A terceira, e talvez a principal delas, não ensinar (porque acredito que isso não se ensina), mas promover o desenvolvimento de habilidades comportamentais durante o processo de construção do conhecimento.

Falando de outra forma, talvez possamos resumir em dois pontos principais: criar um ambiente de aprendizagem e possibilitar o desenvolvimento de habilidades comportamentais.

Se você pensar agora em tudo isso que acabou de ler, e pensar também na forma como a grande maioria dos professores e instituições trabalha o ensino/aprendizado, perceberá que uma segunda consequência negativa da falta de Transformação Digital é percebida em um olhar mais amplo: grande parte de sociedades locais acaba ficando completamente defasada do resto da sociedade, que agora é global.

O resultado você pode ver frequentemente nos jornais: muitas vagas de trabalho abertas há meses ou anos esperando por candidatos com as devidas qualificações, grandes filas para preenchimento de vagas de trabalho que exigem poucas qualificações, e uma quantidade crescente de pessoas com nível superior de ensino trabalhando em atividades que não exigem nenhuma qualificação.

Terminando então nosso artigo, gostaria de deixar os seguintes recados:

Se você é professor, deixe de lado essa velha ideia de que você precisa ensinar conteúdo e mais conteúdo para seus alunos. Pensar assim é injusto com você, pois a internet está aí e, como você sabe, tem muito mais conteúdo que você. Faz muito mais sentido entender que você aprenderá junto com os alunos, completando as lacunas no seu aprendizado e promovendo o desenvolvimento das habilidades comportamentais.

Se você é aluno, deixe de ser aluno e passe a ser estudante. Como diziam meus professores do ensino médio: aluno vai à escola, estudante estuda. Você já sabe que tudo o que você quer saber, basta digitar no Google ou no Youtube e aparecem diversos conteúdos, desde relatos de experiências informais até aulas de grandes universidades. Você não mais deve ir à aula para aprender tudo do zero, mas sim para expandir seus conhecimentos e desenvolver-se pessoalmente!

E o teceiro e último recado: seja qual for sua área de estudo ou trabalho, inclua TICs (Tecnologias das Informação e Comunicação) e Inteligência Artificial, pois a primeira já provou que pode mudar, já mudou e está mudando toda a nossa realidade, e a segunda está provando que, logo logo, poderá mudar as bases da nossa sociedade.

Um grande abraço,Everton Patricio.